Confira abaixo o artigo da Dra. Sarah Hakim, presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP), que foi publicado no Jornal Estado de São Paulo.
Lei precisa mudar para fazer justiça aos vitimados em Brumadinho
Tão ensurdecedor quanto o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, têm sido as manifestações contra o tabelamento da indenização de dano moral nas relações trabalhistas, previsto pelo que se convencionou intitular de reforma trabalhista (Lei 13.467/2017, incisos de I a IV, do parágrafo 1.º, do art. 223-G ), cuja constitucionalidade é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) desde o primeiro momento.
O debate foi reaceso diante do maior acidente do Brasil, em Brumadinho, que ao final da semana alcançava cento e vinte e um mortos e duzentos e vinte e seis pessoas desaparecidas, provavelmente, a se somarem aos números fatais.
Ao espectro da lei trabalhista uma grande injustiça atingiria os direitos dos trabalhadores que perderam a vida ou a tiveram de alguma forma lesionada pela tragédia, uma vez que os dispositivos enxertados na CLT não só vinculam a base de cálculo ao salário contratual, como estabelecem teto, que, para situações gravíssimas, é de 50 salários. A resposta da Justiça estaria limitada e atrelada a este tabelamento e, portanto, cerceada na fixação das indenizações, mesmo se mensuráveis em patamares superiores, após aquilatados o bem jurídico tutelado, intensidade do sofrimento produzido, desdobramentos físicos e emocionais do infortunado, dolo, culpa e capacidade econômica do ofensor.
Para entender, minimamente, a extensão nefasta da nova CLT, é fundamental ter em conta que levará à fixação de indenizações absolutamente díspares entre aqueles que perderam a vida em iguais circunstâncias e no exercício profissional.
A indenização relativa ao trabalhador que recebia salário equivalente ao mínimo legal (R$ 988) seria próxima a R$ 50 mil; ao passo que a gerada pelo trabalhador com salário contratual de R$ 9 mil, seria da ordem meio milhão (R$450 mil). Portanto, o parâmetro salarial malfere o princípio da isonomia, estabelecido no artigo 5.º da Constituição Federal, cuja premissa consagradora é de que “todos são iguais perante a lei”.
O desnível e a discrepância entre as indenizações por danos morais poderá ser ainda mais abissal entre os trabalhadores e não trabalhadores, já que as vítimas sem relação com a Vale, como moradores, terão os montantes definidos pela Justiça Estadual, não sujeita à taxação, o que deve resultar em valores mais expressivos.
É preciso lembrar que o dano é a lesão a bem juridicamente tutelado e que a indenização de natureza moral visa salvaguardar valores como honra, intimidade, dignidade, liberdade, sexualidade, integridade física, a exigirem indenização compatível e em consonância com a grandeza de sua importância.
Por isso, e diante daquele que se revelou acidente de trabalho dos mais perversos, inclusive quanto às possíveis indenizações por danos morais, dado o pretenso engessamento normativo, a Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP), ingressou prontamente junto ao STF com vistas a atuar como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), e assim, levar à esfera superior, a magnitude do acidente e os apontamentos técnicos a demandar o reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos limitadores da indenização por danos morais.
O tabelamento esgrimido afronta, a um só tempo, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, a redução dos riscos inerentes ao meio ambiente, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, conforme artigo 7.º, inciso XXII, da Constituição; e o inciso XXVIII, do mesmo artigo, que prevê seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem exclusão da indenização a que está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa.
Num cenário de extinção do Ministério do Trabalho, que também encontra eco de inconstitucionalidade em ações que tramitam perante o STF, e de vulnerabilidade dos demais pilares reguladores das relações laborais, a saber, Justiça do Trabalho e Ministério Público do Trabalho, o lucro desenfreado sobrepõe-se quase que naturalmente à segurança do trabalho, a ponto de se conceber a construção de refeitório e vestiário de trabalhadores nas mapeadas áreas de risco.
Os argumentos da ADI são de especial consistência ao confrontar o art. 223-G com decisão do Supremo sobre a ADPF 130, que julgou inconstitucional a Lei de imprensa, que antevia limites para as indenizações que ferissem os direitos da personalidade.
Nesta quadra, é imperioso que o STF afaste os dispositivos inconstitucionais da intitulada Reforma Trabalhista, restabeleça a segurança jurídica e outorgue justiça a todos os trabalhadores brasileiros. Essa é a esperança legal das vítimas de Brumadinho e dos milhões de trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho no país, que encontra seu último sopro na decisão do STF.
*Sarah Hakim é advogada e presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP)
Dra. Sarah Hakim
Presidente
Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo – Sempre Vigilante na Defesa dos Advogados Trabalhistas de São Paulo.